domingo, 27 de maio de 2012

Visita: Gabriel Resende Santos





inspiração

meus mestres estão todos mortos. não sobra um único mestre
pra me explicar kant, spinoza, milton santos e eletromagnetismo.
meus mestres morreram no final do século xix/início do século xx.
de sífilis. de cirrose. suicídio. meus mestres estão todos mortos
e alguns felizes finalmente. devia dizer que os mestres
são eurídice e orpheu, felizes e realizados – aliança de casamento
e nem rastro de serpente.  devia dizer em outra língua
em grego em mandarim em hebraico em mallarmaico. devia
orquestrar um tumulto alquímico em legiões de frases soltas.
mas
meus mestres estão todos mortos.
não sei se os mestres todos já conheceram os pés do grande demiurgo
mas os meus mestres conhecem. imploram. são feios e dementes
e em vida eram sem valor e sem amigos e sem conquistas.  mestres
de ninguém. de nada. agora meus mestres estão
contando anedotas para os outros mestres. o maior de todos em seu
gigante labirinto confessando fantasmagorias
para o confuso rei dos geógrafos e astrônomos. meus mestres são uns clowns
e gostam da corda. meus mestres estão
ainda mais mestres
e ainda mais mortos.

sábado, 26 de maio de 2012

DO RISO





"O cômico é uma tentativa de apaziguar o mundo trágico e de reconciliar com ele o ser humano. Brincar com alguma coisa é uma forma de não participar, de não se envolver nela. Para Bergson,o cômico exige uma 'momentânea anestesia do coração', pois é o nosso estado de espírito que caracteriza um fato como trágico ou cômico e a emoção profunda é inconciliável com o riso. A relação da arte com o mundo pode, assim, ser percebida do ângulo irônico, contraditório e polissêmico, na ambivalência observador/observado. A presença do real se dá em dimensão irônica, já que sua 'realidade' se tinge de 'irrealidade'."


 Bella Josef , em 'A máscara e o enigma', Ed. Francisco Alves, 1896, p. 17.

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"Não participar" é, em si, um gesto político, uma forma de dizer ‘não’ a determinado jogo, uma declaração, que leva ao que me respondeu Antônio Lazulli num papo: "participar sem se imiscuir". Como o humor trabalha pela deformação do real, com uma lente de aumento sobre certo trecho, põe a nu aquilo que se pretendia escondido no 'conjunto da obra' (o aumento demonstra a irrealidade que é parte constitutiva daquilo que chamamos de real). Acho que é por isso que ela menciona a 'momentânea anestesia do coração' - porque estamos diante de um procedimento cirúrgico, em que a razão irônica segura um bisturi e com toda precisão retira o cancro que precisa expor - porque o riso é contencioso. Como disse um dos malucos que mais amo: “Tome, doutor, essa tesoura e corte/ minha singularíssima pessoa.”

Uma das perguntas que fica é: pode-se portar o bisturi com emoção?

Outra: isso importa?

quinta-feira, 17 de maio de 2012


 (Story about lost love, obra de Klone5)



“O universo do homem cabe todo dentro de seu discurso e o limite para o pensar precisa ser estipulado unicamente no interior da língua; tudo que fica além dele será simplesmente absurdo.”

Ludwig Wittgenstein

terça-feira, 15 de maio de 2012

Quem ainda não votou na Ayssa Norek e no Nuno Rau pro Concurso de Composição do Leoni?

Passo a passo pra votar:
1. Clique http://trampo.com.br/leoni/wp-login.php?action=register e cadastre seu nome e e-mail (e-mails do hotmail não entram por causa do wordpress);
2. Acesse seu e-mail, abra a mensagem [Concursos Leoni] e copie a senha que foi enviada a você (caso não esteja na caixa de entrada, verifique na caixa anti spam ou lixeira)
Se o e-mail não chegar, na página de registro, embaixo do quadrado, clique em “perdi minha senha”; outro e-mail será enviado e você pode redefinir a senha.
3. Clique http://trampo.com.br/leoni/wp-login.php e digite seu nome e senha para logar;
4. Clique http://trampo.com.br/leoni/, localize os concorrentes (AYSSA NOREK e NUNO RAU) e vote!
Pronto! Muito obrigado pelo seu voto.

Visita do poeta Antônio Lazulli





Outro dia me surpreendi lendo um poema do Lazulli, e pedi que me mandasse outros, que gostaria de conhecer melhor o que ele escreve. Assim foi, e me deparei com uma série de poemas que inquietam por uma soma de estranheza, leveza e profundidade em camadas, de um clima supra-real que apaga as distinções, ou as reorganiza, e ainda por cima dentro de um registro de humor, textura nada fácil em poesia. A grande dúvida foi que poema postar aqui. Espero que vocês gostem, como aconteceu comigo.




INTERJEIÇÃO SEM MOTIVO ALGUM


uau , alguém me disse uma vez que sempre
sonhou  escrever um poema
que se iniciasse com esta interjeição.
E disse mais: esta interjeição não estaria
se referindo a nada em específico,
não existiria em conseqüência de nada que  houvesse.
Apenas um uau curto e sonoro
sem nenhum motivo, nada que pudesse  causá-lo,
nenhum fenômeno extraordinário
como por exemplo a lua roída por súbitos
escaravelhos vermelhos,
ou a morte banida da face da terra.
Apenas uau
sem nenhum fato que o causasse
 sem nenhuma excentricidade
que não fosse  apenas a do som: uau.
alguém me disse e estou quase me lembrando
está na ponta da língua, está na ponta.
Sem nada que merecesse o adjetivo fantástico-
nenhum peixe que engolisse todas as estrelas de uma vez
e depois as expelisse também de uma vez num pum.
Uau sem rosadas bailarinas se equilibrando na borda
do cálice para depois caírem uma a uma
e morrerem afogadas em  vinho tinto
após spacat aéreo,
 um uau solitário, fora dos longos
encadeamentos de causa e efeito
sem nenhuma palavra intimidadora
como lardizabaláceo, lutjanídeo, lumpemproletariado,
ou lual onde elefoas vitaminadas dançam ula-ula
com colares havaianos no pescoço
e  elefantes-surfistas por sua vez consomem marijuana
e detonam melancias inteiras, não.
Apenas uau,  sem nada que não fosse
sua própria existência
seu existir por si só, acho que foi mais ou
menos isto que disse essa pessoa... M, Ma, Mar-
k, só não sei se ele também sonhou terminar o tal
poema com este não-histórico,
incorruptível,
ubíquo,
uau.
.

domingo, 13 de maio de 2012

concerto

ela me sorri  como se nada, longos
cabelos, crina onde se encrespa
o meu desejo no delírio de morfina
das imagens da natureza, ela parece
não sentir a vertigem de tudo,
ao fundo a gravura de um adolescente
com asas, partem de seu sexo raios
em todas as direções, não dos olhos
ou do peito, e ainda espreito, mudo,
alguém  que tenha a alma sutil
no cubículo do mundo, na volúpia
dos ardis ela desabilita o sentido
que, desfeito, espera no meio do salto
mortal ser salvo no último segundo
enquanto ela me sorri como se nada



(em itálico, samplers do poema Pierrete, de Manuel Bandeira)

também publicado em Mallarmargens e De ter de onde se ir.

poesia, língua, linguagem




Há de fato uma experiência da língua que, desde sempre, pressupõe as palavras - uma língua na qual nós falamos como se já tivéssemos sempre as palavras para a fala, como se tivéssemos sempre uma língua antes mesmo de tê-la (a língua que, então, falamos, não é jamais única, mas dupla, tripla, aprendida na sequência infinita das metalinguagens): em compensação, há uma outra experiência, na qual o homem está completamente desprovido das palavras face à linguagem. Esta língua, para a qual as palavras nos faltam e que, como a "língua gramatical" segundo Dante, não pode dissimular o fato de estar aí antes das palavras, sendo "só e primeira no espírito", é a nossa língua, dito de outra maneira, é a língua da poesia.

Giorgio Agamben, em Idée de l'unique. IN: Idée de la prose. p. 31.
Citado em Alberto Pucheu, Giorgio Agamben: poesia, filosofia, crítica. p. 109.

domingo, 6 de maio de 2012

pastelaria (mário cesariny)




Afinal o que importa não é a literatura
nem a crítica de arte nem a câmara escura

Afinal o que importa não é bem o negócio
nem o ter dinheiro ao lado de ter horas de ócio

Afinal o que importa não é ser novo e galante
- ele há tantas maneiras de compor uma estante!

Afinal o que importa é não ter medo: fechar os olhos frente ao precipício
e cair verticalmente no vício

Não é verdade rapaz? E amanhã há bola
antes de haver cinema madame blanche e parola

Que afinal o que importa não é haver gente com fome
porque assim como assim ainda há muita gente que come

Que afinal o que importa é não ter medo
de chamar o gerente e dizer muito alto ao pé de muita gente:
Gerente! Este leite está azedo!

Que afinal o que importa é por ao alto a gola do peludo
à saída da pastelaria e, lá fora - ah, lá fora! - rir de tudo

No riso admirável de quem sabe e gosta
ter lavados e muitos dentes brancos à mostra.


mário cesarinynobilíssima visãoassírio & alvim
1991


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Aqui um vídeo que descobri com o próprio Mário Cesariny falando um poema de Mário de Sá-Carneiro. 
"O pulso ainda pulsa" (Titãs)